Relatório analítico das ações – piloto de incidência política no município da Barra do Turvo – São Paulo

1.     Introdução

 O presente documento relata o processo de incidência política no município de Barra do Turvo no estado de São Paulo que aconteceu ao longo de 10 meses, entre maio de 2021 e fevereiro de 2022, a partir da iniciativa Agroecologia nos Municípios. As consultoras estaduais Clara Camargo e Carla Galvão se dividiram para acompanhar os processos nos municípios de incidência e referência, porém ambas trabalharam no município de Barra do Turvo, com o maior protagonismo da Carla que vive no Vale do Ribeira e tem histórico de atuação junto a movimentos sociais da região.

O município da Barra do Turvo foi escolhido pela Articulação Paulista de Agroecologia por ter experiências agroecológicas interessantes, como a Cooperafloresta e a Rede de Mulheres Agricultoras (RAMA), assim como a existência de comunidades quilombolas que, historicamente produzem alimentos em harmonia com a conservação ambiental. fizeram com que o município fosse escolhido como o ponto de culminância da Caravana Agroecológica do estado de São Paulo, em 2016. Tal iniciativa realizada no âmbito do Projeto Comboio de Agroecologia do Sudeste visava articular e divulgar experiências de resistência e esperança no campo da produção de alimentos saudáveis. As experiências relatadas eram de assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas, mulheres e agricultores familiares do campo e da cidade que buscavam unir suas forças perante o contexto daquele momento de golpe e desmonte da estrutura política da agricultura familiar em âmbito federal.

De início, foi estabelecida uma dinâmica de trabalho para responder aos objetivos da atuação no estado, todo o processo de identificar os/as sujeitos/as e a construção de alianças no território. A APA- Articulação Paulista de Agroecologia, esteve presente, se tornando essencial para as tomadas de decisões e construção de estratégias. De imediato, foi construído um grupo de trabalho com cinco pessoas, que reuniam-se a cada 15 dias, para planejar e decidir sobre os próximos passos da iniciativa, tanto em São Paulo como na Barra.

O primeiro objetivo foi articular as organizações sociais presentes no município. Para isso, foram agendadas reuniões com as lideranças para anunciar o projeto, e também para compreender quais sujeitos , organizações e comunidades se envolveriam no trabalho. Este levantamento diagnosticou que o público seria o da agricultura familiar que, em meio à pandemia se encontrava com bastante dificuldades de se reunir presencialmente e, portanto, de se articular politicamente.

Em virtude destes fatos, foram construídas com as lideranças, reuniões para entender quais pautas elas queriam fortalecer. A principal demanda foi o fortalecimento do diálogo entre as comunidades para se fortalecerem e pensarem estratégias coletivas. Além das reuniões individuais, foram realizadas uma reunião por mês no formato online e também foi criado um grupo no Whatsapp, onde foram divulgados editais de projetos, conteúdos da comunicação, articulações para reuniões no município. Nas reuniões mensais, foram repassadas as informações para os representantes das entidades e estes repassavam para suas organizações/grupos.

O segundo objetivo estabelecido foi a busca de espaços do poder público para serem ocupados. Durante as reuniões, as lideranças relataram que a prefeitura estava construindo o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e Sustentável para debater os problemas da agricultura, e que havia a possibilidade de parceria, visto que havia cadeiras para a sociedade civil. Esses representantes da agricultura familiar, em diversas reuniões relataram a necessidade de compreender as demandas de todas organizações que trabalham com agricultores/as para construir uma pauta/plano de trabalho. Durante o processo da iniciativa, foram construídos diálogos com RAMA- Rede de Agricultoras Agroecológica, CONAQ-

Coordenação Nacional das comunidades Quilombola, CSA- Comunidade que Sustenta a Agricultura, COOPERAFLORESTA, Sindicato de Agricultores Familiares de Barra do Turvo, Feirantes da feira do produtor e as Associações dos Quilombos. Foram algumas reuniões formativas para contextualizar como estava sendo organizado o CMDR e também divulgar e denunciar a existência do Fundo financeiro para agricultura que estava sendo destinado para outras demandas da prefeitura

2.     Desafios enfrentados

Houve alguns desafios por conta da pandemia da Covid-19, por exemplo, foi impossível estar presente nas comunidades nos primeiros meses da iniciativa, então o contato com as lideranças foi feito por telefone e, em seguida, foram marcadas reuniões online pelo app google meet. Aos poucos, os agricultores foram se adaptando à tecnologia, porém o sinal de 3G em Barra é bem precário, dificultando a participação de todos, o que exigiu a remarcação das atividades diversas vezes.

Foi necessário investigar quem estava ocupando as cadeiras do conselho; quem eram as pessoas; Que ações já tinham sido desenvolvidas; Quem participou das tomadas de decisões; e, por fim, quais seriam os próximos passos que o conselho iria seguir.

Por conta dos decretos municipais para prevenir a circulação do vírus, o Conselho se reuniu novamente em julho/2021, funcionando a partir desta data. A pauta era a construção do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural, que terá duração de 10 anos. A proposta era responder às demandas dos projetos de cidadania no Campo, projeto de fomento para a agricultura do governo do estado de São Paulo. Esse plano, apesar de ser voltado para o público geral da agricultura no município, não dialogou em nenhum momento com os agricultores familiares. A iniciativa entrou em contato com o secretário municipal de agriculturapara contribuir com o plano e para participar das reuniões do conselho, porém nunca houve retorno por parte do poder público. Mesmo assim, uma das consultoras esteve presente na reunião do CMDR do dia 16 de julho de 2021.

Um outro ponto importante em relação ao conselho foi a criação de um fundo para agricultura, gerenciado pelo CMDR, onde estão reunidos recursos financeiros oriundos de trabalhos de hora tratora, de projetos institucionais e de multas, para serem destinados para o desenvolvimento da agricultura no município. A previsão era que, a partir do ano de 2022, esse fundo começassea ser liberado para agricultores, porém seria necessário estabelecer critérios de distribuição destes recursos. Vale ressaltar que este mesmo conselho tem influências do agronegócio local, que estão alinhados com as estratégias políticas da prefeitura municipal e do governo estadual que possuem um projeto para o campo diferente da agroecologia. Sendo assim, esse projeto se contrapõe ao que as comunidades tradicionais e organizações que acreditam na pauta da agroecologia reivindicam para o município. A partir daí se definiu focar na articulação das comunidades e organizações, identificando as demandas e apontamentos para os desafios elencados.

Durante o mês de novembro foi construído um questionário que buscava compreender os desafios enfrentados pelas organizações, tendo em vista os pontos de convergências entre elas, para construir esse diálogo das importâncias do trabalho em rede. Essas perguntas estavam relacionadas com temas de reivindicações das lideranças de diversas comunidades. Neste levantamento houve dificuldades por parte dos entrevistados de responder pautas com números exatos em comum. Então, a estratégia foi alterada para a realização de reuniões com pequenos grupos para responder ao questionário. Mas, como há algum tempo os grupos não se encontravam, também tiveram dificuldades em construir reivindicações coletivas, sempre com a justificativa, “era bom realizar um encontro com todos para decidirmos juntos”. Essa fala motivou a organização de um encontro presencial ampliado.

3.     Reunião da Agricultura Familiar e Agroecológica de Barra do Turvo

A reunião aconteceu nos dias 21 e 22 de janeiro de 2022, no Centro Agroflorestal Felipe Moreira. Nestes 2 dias de encontro, o debate foi sobre a conjuntura e os problemas comuns na região e em Barra do Turvo.

As principais ameaças elencadas foram:

  • As mudanças climáticas e as consequências a ela associadas, como o aumento do período de seca e o “desaparecimento” de rios que, no fim das contas, prejudicam mais as comunidades. Existe uma percepção de que as mudanças climáticas aumentam a desigualdade no acesso aos recursos naturais e como isso ocorre por conta dos empreendimentos do agronegócio, principalmente a criação de gado e búfalos. A percepção clara de que o desmatamento e a transformação da área em pastos sem árvores altera a dinâmica da natureza do território.
  • O contexto político do país com a eleição de Bolsonaro e a direita organizada prejudica muito a atuação da agricultura familiar e agroecológica, pois não há apoio, projetos, compras públicas como o Programa de Aquisição de Alimentos, o que inviabiliza financeiramente o trabalho no campo. A pandemia também foi vista como uma ameaça, uma vez que desarticulou a atuação conjunta das agricultoras e agricultores por conta do isolamento social, da falta de reuniões e do acesso escasso à
  • O aumento da mineração, pois ao mesmo tempo em que ela polui e deixa muitos passivos ambientais, ela também gera problemas para a saúde da população. Além disso, a mineração não traz um desenvolvimento eficaz, pois tira osrecursos e os leva para desenvolver outros locais, como por exemplo a construção civil na cidade de São Paulo com areia e calcário do Vale do Ribeira.
  • As concessões de Unidades de Conservação (Áreas de Proteção Ambiental e Reservas de Desenvolvimento Sustentável). Existe um conflito por conta da sobreposição das Unidades de Conservação às terras quilombolas e isso tem impacto por conta das restrições ambientais que geram conflitos e retrocessos. Agora, estão entregando essas áreas para empresas privadas, como é o caso do Isso impacta as comunidades porque gera expulsão das pessoas que ali viviam há gerações. Da mesma maneira, a falta de regularização fundiária aumenta o nível de ameaça de perda das terras pelas comunidades quilombolas. A falta de um plano de desenvolvimento condizente ao local, que respeite e valorize as especificidades socioambientais sem a imposição de algo de fora e de cima pra baixo.
  • O modelo de produção extrativista está associado à criação de búfalos, ao gado, ao pinus e ao desmatamento e à falta de água decorrente desse mesmo processo.
  • A violação ao direito de consulta prévia livre e informada que, em outras palavras, significa a desconsideração do diálogo com as comunidades sobre os projetos planejados para o território onde vivem.

1.     Iniciativas de comunicação

Ao longo da Iniciativa, foram construídos posts e Reels para instagram e Facebook de divulgação dasatividades realizadas pelo projeto e também atividades que os agricultoresrealizavam nas propriedades. Os conteúdos foram postados nas contas da APA com intenção de divulgar aos contatos do estado e da ANA para dar visibilidade nacional. Os posts nacionais repercutiram nas comunidades e também entre o poder público municipal dando visibilidade para agricultores familiares.

Para a reunião do mês de janeiro, foi realizado um plano de comunicação das atividades, em parceria com um comunicador local apoiador dos movimentos da região, o que possibilitou a divulgação para os principais meios de comunicação da região. A construção coletiva dos materiais foi positiva, pois envolveu comunicadores para além da bolha agroecológica e a divulgação foi realizada regionalmente.

2.     Relação com o poder público e a articulação para construção de políticas públicas com enfoqueagroecológico

Como foi dito anteriormente, foi iniciado um diálogo com o secretário da agricultura e, logo depois, com os representantes do conselho municipal. Porém, ao longo dos meses, em diálogo com as lideranças, percebeu-se uma má vontade por parte da prefeitura nas conversas com as lideranças das comunidades e com a consultora da iniciativa, pois diversas vezes foi realizado um contato para auxiliar na construção do plano de desenvolvimento, mas a prefeitura não retornou.

As lideranças se queixam de que, em Barra do Turvo, a agricultura familiar não é valorizada. As festas dos agricultores que a prefeitura promove visam a construção da identidade do agronegócio, como o “peão de boiadeiro”, reforçando um estereótipo de caipira e de sujeito atrasado. As políticas públicas municipais são aliadas com as do governo do estado, especialmente o Vale do Futuro que não realiza nenhuma consulta às comunidades. Mesmo sabendo que poucas conquistas sairiam da prefeitura, o esforço foi válido pois foi colocada em pauta a necessidade de se construir alianças para que se fortaleça a agricultura familiar e amadureçam as idéias sobre estratégias possíveis para o município e a necessidade de mobilizar as comunidades a pensar a política de orçamento do município.

Desta forma, continuar buscando o fortalecimento por meio de projetos, formação e trabalho com as mulheres, juventude e as comunidades quilombolas pode ser um ponto essencial pois são sujeitos e organizações que estão construindo agroecologia visando a qualificação do debate sobre políticas públicas.

Por fim, foi construída uma carta política com as propostas da agricultura familiar para o desenvolvimento da agroecologia na região. Essa ferramenta pode auxiliar as comunidades numa tentativa de diálogo com a prefeitura e/ou políticos da região.

A Construção do Plano de Desenvolvimento Rural participativo com todas as comunidades. Pois, durante o processo da construção PDR do Município da Barra do Turvo, a prefeitura não consultou as comunidades, sendo este uma construção individual/institucional (buscou responder demandas de projetos) sem envolvimento das comunidades. Acreditamos que o processo de consulta às comunidades poderá acarretar em plano que de fato será cumprido na prática.